8.5.10

Cássia Navas comenta Cultura Bovina?

Recebemos da Gisela Doria os comentários da Cássia Navas sobre o espetáculo Cultura Bovina? apresentado em São Paulo, no SESC Ipiranga, ocasião em que foi gravado o programa Dança Contemporânea para o canal SESC TV.
Aí vai...

Em cena temos um músico, que ao lado do palco chama atenção por sua performance, pela qual constrói um ambiente sonoro-musical que vai se adensando a medida em que o espetáculo se desenrola. Pelo trabalho se constrói uma dramaturgia musical que nos remete ao universo de Cultura Bovina, do Ginga.
A sonoridade nos leva para longe, apontando para paisagens rurais: atmosferas de um local onde se fala a "língua da arroba, do boi gordo, da soja", segundo as palavras do programa do espetáculo.
Neste panorama, começa a dança de uma das bailarinas, em um cercado mítico, como se bicho fosse dançando dinâmicas corporais contemporâneas complexas. A partir daí, em obra de delicada beleza cênica, vida de gado (animais criados para o abate) e vida de dança (artistas criados para a arte e expressão) se interpolam de maneira não literal, discutidos por coreografia que é, duplamente, intensa e suave.
A qualidade da dança dos intérpretes insinua-se por esta suavidade densa, construída por camadas de significados, que se apresentam pela repetição de movimentos em que os ensimesmados bailarinos quase nunca dançam em grupo, evoluindo em solos e em duplas. As dinâmicas coreográficas vão se superpondo na construção dos sentidos, à semelhança do que acontece com a música que agrega camadas de significados sonoros ao todo do que ouvimos.
Em Cultura Bovina, o Ginga nos apresenta uma obra contemporânea que focada em aspectos de cultura regional, torna-se arte de todos, ao dar voz, como no debate pós-moderno, a questões distantes da arte que se produz e difunde em seus mais importantes pólos de produção/difusão.
A Arte de Mato Grosso do Sul, apresenta sua especificidade local a partir dos pressupostos da arte contemporânea, discutindo temas gerais, principalmente a solidão do boi/gente mesmo quando em boiada de muitos.
Apresenta-se neste sentido um tema de todos que transcende ao regionalismo ou ao exótico, porque distante da ótima da urbanidade. Exemplo final desta proposta: a nudez explícita dos bailarinos que tombam sobre si mesmos, aponta para a condição humana em sua essência - despidos nos tornamos basicamente iguais, em todo tempo e lugar.
São Paulo, setembro de 2009, Cássia Navas


Cassia Navas - Professora Doutora em Dança (pelo Departamento de Artes Corporais/Instituto de Artes/UNICAMP, Brasil) e Consultora do TEATRO DE DANÇA, da Secretaria de Estado da Cultura, APAA, de São Paulo – Brasil.

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