21.6.09

Recado para amigo


Amigos Invisíveis
Fabrício Carpinejar

Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade.
Mandar relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação.
Os amigos são para toda a vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira.
Temos o costume de confundir amizade com onipresença e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão.
Amizade não é dependência, submissão.
Não se têm amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra.
É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.
Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa.
Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas.
E já se está falando mal dele por falta de notícias.
Logo dele que nunca fez nada de errado!
O que é mais importante: a proximidade física ou afetiva?
A proximidade física nem sempre é afetiva.
Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.
Amigo mesmo demora a ser descoberto.
É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.
Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios.
São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem-estar.
Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade.
Aqueles que não estão perto podem estar dentro.
Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente.
Não vou mentir a eles ¿vamos nos ligar?¿ num esbarrão de rua.
Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.
Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados.
Ou passar em casa todo o final de semana e me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos.
Caso encontrá-los, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação.
Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.
Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia, do blog. Significativos em cada etapa de formação.
Não estão em nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinando, de modo imperceptível, as nossas atitudes.
Quantas juras foram feitas em bares a amigos, bêbados e trôpegos?
Amigo é o que fica depois da ressaca.
É glicose no sangue.
A serenidade.

Em memória de Roberto Pereira...
21 de Junho de 2009

2 comentários:

  1. Tô finalmente em casa nesse fim de domingo que foi triste e não consigo relaxar. Por horas estou lendo as matérias relacionadas, homenagens, fotos, sem acreditar e sem parar de relembrar.
    Quero compartilhar um dos meus poucos momentos com o Roberto:

    Na festa de lançamento do livro "Vozes da dança" eu e a minha mãe ficamos um tempão ao lado dele papeando. Falando sobre filmes, chegamos no bem comentado "Estômago" (filme de Marcos Jorge)e o Roberto acabou revelando que ele considerava coxinha a melhor invenção da culinária. Com fome, ele descrivia incrivelmente a sensação de comer coxinha enquanto eu pedia um chiclete para a Esther Weitzman. O Roberto já queria ir comer, perguntando se não havia uma lanchonete por perto.
    Nós não comemos coxinha, mas eu fiquei uma semana querendo comer a bendita até que matei minha vontade despertada pelo prazer que ele demonstrou.
    Eu entendo agora que o Roberto Pereira me estimulou a dançar do mesmo jeito e com a mesma urgência que me estimulou a dançar.
    Sinto muito forte a lacuna que ele deixou.
    Sou grata a Deus (agora, ainda, com muito pesar) por ter tido a oportunidade de conhecer um representante de toda a energia que a dança precisa para acontecer.

    Acho que agora eu vou conseguir descansar...

    Obrigada e abraços acolhdores para todos.

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  2. Neide Garrido...
    Na noite do Livro "Livro Vozes da Dança", foi a última vez que o vi.
    Conversamos, meio com culpa, pois estávamos afastados do centro onde estavam acontecendo os atos cerimoniais. Elogiei sua aparência. Êle enmvaidecido agradeceu. Me senti lisongeada por ter notado minha ausência na Oficina à tarde.
    Falamos sobre a vida:trabalho, excessos, tolerância,
    Me senti mais próxima quando ele comentou que estava cansado da turbulência, da vida agitada do lugar onde vivia e que estava pensando sèriamente em morar num lugar menor, com menos cobrança e mais tempo para ele. Não falamos em Dança. Mas estava subentendido.Me senti igual!
    Falei: Temos que aprender a fechar ciclos.
    Ele falou: Èdificil passar o bastão! Mas temos que passar!
    Levei isso comigo! Não vou esquecer nunca!
    Neste domingo triste, sensível(não gosto de domingo)ficou bem claro!
    Obrigada Roberto!
    Nos encontraremos algum dia!Neide Garrido

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